Sua mente estava tumultuada. Já fazia horas desde o último telefonema. Ou fazia? Devia fazer, visto que o telefonema fora curto, inusitadamente curto frente às famosas duas ou três horas de telefone, e havia acontecido logo após a novela das nove. Agora eram três e meia da manhã.
Luiza já havia cansado de se revirar em seus lençóis fazia mais de uma hora, já havia comido um pão coberto de chocolate com algumas doses de café e agora fumava um cigarro. Sabia que nenhum deles a ajudaria a dormir, mas não tinha mais certeza se ainda o queria. O tabaco queimava a meia vida e ela olhava cada incandescência como se arrancasse folhas de margarida, só que ao avesso, como se cada raio de luz que queimava a meio palmo de seu rosto lhe roubasse a certeza recém adquirida.
A pilha de cinzas comprovava a sua decisão ao transbordar o cinzeiro improvisado sobre um CD que dormia em sua perna nua. Apesar do frio, Luiza se deitara com uma camisola curta, a sua preferida, que acentuaria o contorno de seu belo corpo jovem se não fosse a única fonte de luz a ponta de seu cigarro. As pernas, que começavam a se cobrir de cinzas, já haviam ficado molhadas com a expectativa, assim como seus seios eriçados e as mão tremulas de ansiedade naquela noite. Havia se sentido mulher. Mas outra coisa ocupava sua mente agora. O telefonema.
Cerca de quatro horas e meia antes, ele ligara com duas notícias para contar. A primeira era que a situação entre ele e seus pais melhorara. Haviam brigado alguns dias antes quando toda a situação da crise familiar achara seu estopim no momento que o seus pais esqueceram o aniversário do neto. Ele, de voz suave, pausada e grave, tinha trinta anos e um filho de sete. A segunda notícia era de que ele havia pensado no relacionamento que tinha com ela, que jamais realmente ocorrera, e havia percebido porque era capaz de passar tantas horas no telefone juntos e em pessoa era reservado. No telefone, a idade de Luiza não fazia diferença.
Luiza tinha vinte e dois anos e conhecera-o numa festa cinco meses antes. Passaram a noite juntos, mas ele era comprometido. Ela sabia que ele gostava dela, passavam tardes juntos e horas no telefone. Ele conhecia seus filmes preferidos, livros de cabeceira. Sabia o que dizer na hora certa, como olhar do jeito certo, como sorrir do jeito certo. Mesmo comprometido era o par perfeito. Mas nunca foram um par. Pouco depois que ficou livre, ele lhe contou que mesmo gostando muito, jamais conseguiria vê-la como algo diferente de uma mulher de vinte e dois anos. Os mesmos vinte e dois anos que ela amaldiçoara a cada noite naquela mesma cama e com o mesmo cigarro na mão. Até aquela noite, aquele telefonema.
Por isso a mente tumultuada. Pela primeira vez tinha de fato uma chance, só que pela primeira vez em muito tempo, Luiza não sabia o que fazer. Ligara para ele, mas não fora capaz de dizer uma palavra. Ela, que passara horas a fio no telefone com ele, sabendo agora que era esse o caminho, ficara muda, apenas ouvindo os apelos do outro lado por um interlocutor. Os momentos de alegria que sucederam o telefonema de seu amado migraram para a lagoa do medo e pelas últimas horas a mantivera acordada, revirando-se na cama e perguntando o que fazer. E se o relacionamento só fosse por telefone, ela se tornaria uma pessoa que vive para esperar seus telefonemas.
Luiza sente frio. Limpa suas pernas nuas suja pela caricia das cinzas e procura conforto nas gramas finais de nicotina que lhe aquecem a alma ante a dura barreira do filtro que a protege e a separa da morte doce e desejada. Diz que vai parar de fumar e esse é o último cigarro, assim como tantos outros já foram. Talvez amanhã. Amanhã é outro dia.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
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